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Perda gestacional: do que preciso saber?
Imagem meramente ilustrativa (Banco de imagens: Shutterstock)

Embora o motivo da perda gestacional nem sempre seja descoberto, é importante conhecer e se atentar aos fatores de risco.

A perda gestacional é um evento que afeta profundamente a vida da mulher e da sua família, causando um enorme impacto emocional1–3. Cabe ao médico obstetra acolher a paciente desde o diagnóstico, fornecendo apoio emocional, informação de qualidade e suporte clínico. Compreender as causas e as possibilidades de prevenção é essencial para oferecer o suporte adequado nesse momento delicado.

Entende-se por perda gestacional o término involuntário da gravidez antes do nascimento. Isso pode ocorrer por abortamento, geralmente definido como a perda antes de 20 semanas de gestação, ou por óbito fetal, quando ocorre após 20 semanas4. Ambas as situações representam desafios tanto do ponto de vista médico quanto emocional1–3.

Além disso, algumas mulheres podem vivenciar o aborto habitual, caracterizado por duas ou mais perdas gestacionais5. Cada caso de perda gestacional é único e merece uma avaliação individualizada, considerando o histórico clínico e os fatores associados.

Dr. Alan Hatanaka

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O que é a perda gestacional?

A perda gestacional refere-se à supressão da vitalidade antes do nascimento. Isso inclui tanto o abortamento espontâneo precoce quanto o óbito fetal, em estágios mais avançados da gestação.

O abortamento espontâneo é definido como a perda da gestação antes de 20 semanas, sendo mais comum nas primeiras 12 semanas. Estima-se que cerca de 20% das gestações reconhecidas clinicamente terminem em abortamento espontâneo3. Já o óbito fetal ocorre quando a perda gestacional acontece após 20 semanas de gravidez, época em que o vínculo familiar é totalmente estabelecido e o trauma é irreversível4.

É importante diferenciar esses tipos de perda gestacional para direcionar a investigação e o manejo adequado, pois as causas podem ser distintas.

Quais são as causas da perda gestacional?

As causas da perda gestacional são diversas, variam bastante de acordo com a idade gestacional do evento e, em muitos casos, são multifatoriais.

No abortamento precoce, ou seja, com menos de 12 semanas, as principais causas são:

  • Anomalias cromossômicas: são responsáveis por aproximadamente 50% dos abortamentos espontâneos precoces3. Na maioria das vezes, os bebês possuem 1 cromossomo a mais do que o normal, causando uma série de malformações, muitas vezes incompatíveis com a vida extrauterina;
  • Fatores endócrinos: as disfunções da tireoide (hipo ou hipertireoidismo) e o diabetes mellitus descompensado estão associados a maiores riscos de abortamento6–9;
  • Fatores ambientais e de estilo de vida: tabagismo, consumo de álcool, obesidade e exposição a toxinas são fatores que podem contribuir para a perda gestacional10–13.

No abortamento tardio, aquele com 12 semanas ou mais de gestação, as causas podem ser as mesmas dos abortamentos precoces, podendo ocorrer em razão de anomalias cromossômicas, por exemplo. Entretanto, algumas doenças podem tipicamente causar abortamentos tardios.

  • Trombofilias adquiridas e problemas autoimunes: a principal é a síndrome dos anticorpos antifosfolipídeos5,14 (preferencialmente, deve ser diagnosticada fora do período gestacional e causa tipicamente abortamentos tardios);
  • Trombofilias hereditárias: algumas mulheres nascem com mutações genéticas que podem causar tromboses placentárias e abortamento, sendo que as principais são15:
  • Fator V de Leyden (G1691A);
  • Mutação do gene da protrombina (G20210A);
  • Deficiência de antitrombina III;
  • Deficiência de proteína S;
  • Deficiência de proteína C;
  • A mutação da metilenohidrotetrafolato redutase (MTHFR) em seus polimorfismos C677T ou A1298C NÃO está associada a abortamentos, óbitos fetais ou eventos tromboembólicos (essa afirmação é endossada pelo Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia (ACOG), pelo Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) e pela Sociedade Canadense de Ginecologia e Obstetrícia (SOGC)16–18).
  • Anomalias uterinas: alterações congênitas, como útero septado, ou adquiridas, como miomas submucosos, podem interferir na implantação e no crescimento embrionário, levando à perda gestacional19–21;
  • Insuficiência istmocervical: causa de 8% dos abortos de repetição, é caracterizada por perdas de 2º trimestre na ausência de sinais ou sintomas de contrações ou parto. Em geral, o feto nasce morfologicamente normal. Pode ser originada de maneira congênita ou através de procedimentos no colo uterino, como dilatações para curetagem ou conização ou CAF (cirurgia de alta frequência)5.

Quando o óbito fetal ocorre após 20 semanas, muitos fatores devem ser pesquisados e alguns são semelhantes aos já citados para os casos de abortamento, como trombofilias hereditárias e adquiridas e cromossomopatias. Entretanto, outros elementos devem ser considerados:

  • Patologias obstétricas maternas: a pré-eclâmpsia é uma das principais doenças causadoras de óbito fetal. Picos hipertensivos e a temida HELLP Syndrome podem ocasionar a perda gestacional após 20 semanas. O diabetes gestacional é um causador de óbitos fetais, principalmente aqueles mal controlados;
  • Patologias fetais: a restrição de crescimento fetal é a deficiência de crescimento do bebê com alteração do funcionamento da placenta. Pode ocorrer devido à pré-eclâmpsia, a trombofilias, a doenças autoimunes e maternas, a malformações fetais e a infecções;
  • Infecções: infecções maternas por vírus, bactérias e protozoários podem gerar óbito fetal. Entre as infecções virais, destacam-se as por citomegalovírus, rubéola, parvovírus e coxsackie. Das bacterianas, sem dúvida a listeriose é a mais temida, oriunda de alimentos em mau estado de conservação.

É possível evitar a perda gestacional?

A prevenção da perda gestacional depende, em grande parte, da identificação e do manejo dos fatores de risco associados. Quando uma causa específica é determinada, intervenções direcionadas devem ser implementadas.

Para isso, é fundamental que seja realizada uma cuidadosa consulta pré-concepcional, ou seja, antes mesmo da mulher engravidar. Nessa consulta, poderemos tratar problemas como anomalias uterinas (através da histeroscopia cirúrgica), fazer o tratamento de doenças clínicas e de infecções, realizar o diagnóstico e dar uma solução às trombofilias e indicar a adoção de hábitos saudáveis.

A importância do apoio emocional

A perda gestacional é um evento que pode gerar intenso sofrimento emocional. Sentimentos de luto, tristeza, culpa e ansiedade são comuns e podem afetar significativamente a qualidade de vida da mulher e da sua família. O acolhimento é fundamental nesse momento. A busca por acompanhamento psicológico ou a participação em grupos de apoio podem auxiliar no processo de elaboração do luto e na redução do impacto negativo na saúde mental.

Profissionais de saúde devem estar atentos aos aspectos emocionais envolvidos, oferecendo suporte empático e informações claras. A humanização do cuidado é essencial para que a mulher se sinta acolhida e compreendida em relação às suas necessidades.

Além disso, campanhas como o National Stillbirth Action and Implementation Plan (Plano Nacional de Ação e Implementação para Natimortalidade), da Austrália, destacam a importância de políticas públicas voltadas para a prevenção da perda gestacional e o apoio às famílias afetadas22.

É possível engravidar após a perda gestacional?

Sim, muitas mulheres conseguem engravidar e ter uma gestação saudável após uma perda gestacional. A probabilidade de sucesso aumenta quando as causas específicas são identificadas e tratadas adequadamente.

Estudos indicam que, mesmo após múltiplas perdas, a taxa de sucesso em gestações subsequentes pode ser superior a 60%23. O acompanhamento pré-natal cuidadoso e personalizado é fundamental para monitorar a saúde materna e fetal, permitindo intervenções precoces quando necessárias.

É recomendável que a mulher passe por uma avaliação pré-concepcional e psicológica antes de uma nova gestação para que se possa tratar as causas de perda gestacional e para que se tenha apoio emocional.

A perda gestacional é um evento complexo e que requer uma abordagem multidisciplinar, envolvendo avaliação médica criteriosa e apoio emocional. Cada caso deve ser analisado individualmente, considerando as particularidades da mulher e do seu histórico reprodutivo. Para isso, é fundamental que a paciente procure um médico especializado no assunto antes mesmo de engravidar.

O Prof. Dr. Alan Hatanaka coordena o Ambulatório de Medicina Fetal de Perdas Gestacionais e de Prematuridade da Escola Paulista de Medicina, vinculada à Universidade Federal de São Paulo.

A equipe do Prof. Dr. Alan Hatanaka está aguardando o seu contato para iniciar a jornada de uma gravidez saudável e segura.

 

Referências

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  2. Ministério da Saúde. Atenção Humanizada Ao Abortamento – Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde Da Mulher. 1st ed.; 2005.
  3. American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG Practice Bulletin No. 200 Summary: Early Pregnancy Loss. Obstetrics & Gynecology. 2018;132(5):1311-1313. doi:10.1097/AOG.0000000000002900
  4. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Consulta no 197.356/19 – Sobre o entendimento de óbito fetal, no que tange a idade gestacional a ser considerada para a emissão de Declaração de Óbito para o natimorto, e quando considerar um aborto. https://cremesp.org.br/?siteAcao=Pareceres&dif=a&ficha=1&id=16570&tipo=PARECER&orgao=%20Conselho%20Regional%20de%20Medicina%20do%20Estado%20de%20S%E3o%20Paulo&numero=197356&situacao=&data=13-02-2020.
  5. Evelyn Trainá, Rosiane Mattar, Antonio Braga, Jorge Rezende Filho. Abortamento. In: Jorge Rezende Filho, Antonio Braga, Joffre Amim Junior, Marcos Nakamura Pereira, Melania Amorim, Roseli Nomura, eds. Rezende – Obstetrícia. 14th ed. Guanabara Koogan; 2022:302-315.
  6. Alexander EK, Pearce EN, Brent GA, et al. 2017 Guidelines of the American Thyroid Association for the Diagnosis and Management of Thyroid Disease During Pregnancy and the Postpartum. Thyroid. 2017;27(3):315-389. doi:10.1089/thy.2016.0457 PMID  – 28056690
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