Saiba o que é mito e o que é verdade sobre a ingesta e suplementação de ômega 3 na gestação
O ômega 3 é um tipo de gordura essencial para o corpo humano, com potenciais benefícios para a saúde da criança e do adulto1, pois participa de processos metabólicos do coração, cérebro, olhos e sistema imunológico 1–10. Em virtude dessas funções essenciais, a ingestão de alimentos ricos em ômega 3 na gestação deve ser estimulada pelo médico obstetra 11,12.
Entretanto, encontrar evidências científicas de qualidade sobre o assunto é uma missão difícil, pois muitos trabalhos publicados possuem o viés de possuir patrocínio da indústria farmacêutica. Outras publicações possuem problemas metodológicos básicos, como colocar no mesmo grupo quem ingere peixes ricos em ômega 3 com quem ingere apenas ômega 3 através de suplementos alimentares. É fácil entender que essas pacientes não podem ser consideradas do mesmo grupo.
Nesse artigo, tentaremos resumir o que realmente se sabe a respeito da ingestão e suplementação de ômega 3 na gestação.
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Quais são os tipos de ômega 3?
Os ácidos graxos essenciais são gorduras que não podem ser produzidas pelo corpo humano, portanto precisam ser ingeridas através da dieta ou suplementos 1. O ômega-3, em suas diversas formas, são ácidos graxos essenciais importantes para funções fisiológicas, incluindo transporte de oxigênio, armazenamento de energia, função da membrana celular, regulação da inflamação e proliferação celular13.
Existem 3 tipos de ômega 3, o ácido alfa-linolênico (ALA), encontrado em fontes vegetais, além do ácido eicosapentaenoico (EPA) e do ácido docosahexaenoico (DHA), que são encontrados principalmente em peixes. O ALA pode ser convertido em EPA e DHA, mas apenas numa pequena porcentagem. Estudos indicam que cerca de 5% a 10% do ALA é convertido em EPA, e menos de 1% é convertido em DHA.
14,15O ALA pode ser encontrado em diversos alimentos comuns do dia a dia, mas tem concentração muito maior nos grãos. A linhaça lidera essa lista com aproximadamente 23 g de ALA por 100 g, seguida pelas sementes de chia, que contêm 17.9 g. As nozes são outra excelente fonte, fornecendo 6.28 g de ALA por 100 g. Outros alimentos, como feijão, couve manteiga e brócolis, têm quantidades menores, com cerca de 200 mg de ALA por 100 g. A castanha de caju, ao contrário do que se imagina, tem apenas 70 mg de ALA por 100 g. Carnes, como a carne de vaca e o frango, possuem 87 mg e 30 mg de ALA por 100 g, respectivamente. Segundo o National Institutes For Health (NIH) dos Estados Unidos, a gestante deve ingerir diariamente cerca de 1,4 g de ALA 1.
O DHA parece ser o tipo de ômega 3 com maior importância no período gravídico puerperal, sendo alvo dos principais trabalhos científicos e interesse da indústria farmacêutica 14,15. O NIH 1 e o Guia de Dieta Norte Americana 2020 – 202511 recomendam a ingestão de 300 mg de DHA por dia, sendo indicada a ingestão de peixes de boa escolha três vezes por semana para atender essa demanda. Deve-se tomar cuidado com a ingestão de peixes contendo mercúrio.
Dentre os peixes com baixa quantidade de mercúrio e alta quantidade de DHA, podemos citar: salmão de criadouro (1240 mg / porção de 120 g), salmão selvagem (1220 mg), anchova (911 mg), sardinha em conserva (740 mg), truta (440 mg), camarão (120 mg), tilápia (110 mg) e bacalhau (100 mg). O atum em conserva pode ser ingerido até uma vez por semana, pois tem quantidade de mercúrio considerada intermediária (atum tem 0,32 ppm e a quantidade intermediária é considerada entre 0,1 e 0,5ppm) 1.
Com essas informações, fica fácil entender que, para que a mulher receba a quantidade adequada de todos os tipos de ômega 3 na gestação, é importante ter uma alimentação equilibrada, rica em peixes e grãos.1113
Ômega 3 na gestação: para que serve?
Diversos estudos examinaram os efeitos da ingestão de peixes ricos em ômega-3 na gestação. Estudos experimentais demonstram que altas concentrações de DHA estão presentes nas membranas celulares do cérebro e da retina e o DHA é importante para o crescimento e desenvolvimento fetal. O acúmulo de DHA na retina encerra ao nascimento, enquanto, no cérebro, continua durante os dois primeiros anos de vida1 .
Estudos observacionais, cientificamente mais frágeis que os trabalhos randomizados, sugerem que o consumo de peixes ricos em ômega 3 na gestação está associado a melhores desfechos na saúde infantil. Por exemplo, esses trabalhos sugerem melhora das habilidades motoras, visuais, de comunicação e de QI 1. Entretanto, por serem trabalhos observacionais, necessitam de comprovação com trabalhos de melhor qualidade.
Estudos randomizados (aqueles em que um grupo recebe a droga teste e o outro placebo) são os trabalhos de melhor qualidade científica, entretanto, apresentam resultados conflitantes. Frente a essa controvérsia, a melhor forma de esclarecer se o ômega 3 tem benefício ou não é através de revisões sistemáticas 1,16.
Importante salientar que o único estudo randomizado que demonstra benefício de cerca de 50% de redução de parto prematuro < 34 semanas, tem dois dos três autores declarando conflito de interesse com a indústria farmacêutica 16. Isso não quer dizer que o artigo esteja errado, ou que tenha existido fraude, mas, certamente, seus resultados têm que ser analisados com cautela quando falamos de recomendações formais sobre uso de uma medicação. Segue o texto traduzido que pode ser encontrado no próprio artigo: “A Dra. Makrides relata que atua em conselhos consultivos científicos para a Nestlé, Fonterra e Nutricia. O Dr. Gibson relata que atua em conselhos consultivos científicos para a Nestlé e Fonterra. Os honorários associados aos Drs. Makrides e Gibson são pagos às suas instituições para apoiar viagens a conferências e educação continuada para estudantes de pós-graduação e pesquisadores em início de carreira 16.”
A principal revisão da literatura foi publicada pela Cochrane em 2018, entretanto, possui um problema metodológico grave, pois considerou no mesmo grupo pacientes que ingerem peixe 3 vezes por semana ou que tomaram suplemento de ômega 3, comparando com mulheres sem intervenção 14. Nesse estudo, a intervenção com dieta ou suplemento parece reduzir o risco de parto prematuro, entretanto, a última autora trata-se de Makrides M, que possui conflito de interesses já citados 14.
Em 2021, surgiu uma nova revisão sistemática, considerando apenas pacientes que utilizaram suplemento de ômega 3. Os autores declararam não possuir nenhum conflito de interesse. O resultado foi de que o uso de suplemento com ômega 3 não reduz o risco de parto prematuro ou parto prematuro espontâneo 15. Esses resultados são concordantes com os achados de Saccone G de 201517.
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É recomendado tomar ômega 3 na gestação?
Embora o uso de ômega 3 na gestação tenha grande divulgação em mídias sociais, com grande pressão de marketing da indústria farmacêutica, quando analisamos os resultados dos trabalhos científicos, não há evidências de que a suplementação vitamínica tenha benefício para a mulher e para criança.
A ingestão de peixes com alta concentração de DHA e baixa concentração de mercúrio deve ser estimulada, pois tem ampla evidência de benefícios. Deve-se ter atenção de que o consumo de peixes pode ser um marcador indireto de boa qualidade de vida. Sabe-se que pessoas com dietas saudáveis tendem a praticar mais esportes, ter menos vícios, ter menos estresse e menos doenças associadas.
Três das principais entidades mundiais se posicionaram sobre o uso de suplementos de ômega 3 na gravidez.
A Autoridade Europeia de Saúde Alimentar (EFSA) refere que não há evidências suficientes para estabelecer uma relação de causa e efeito para o uso de suplementos de DHA durante a gestação com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento cerebral normal 18.
A Organização Mundial de Saúde (OMS | WHO) afirma que são necessárias mais pesquisas antes que recomendações específicas possam ser feitas a respeito do uso de suplementos de ômega 3 na gravidez 19.
Por fim, a US Food and Drug Administration (FDA) não recomenda a suplementação de óleo de peixe na gestação 12.
Ômega 3 na gestação: verdades e mentiras
Muitos mitos circulam sobre os benefícios da suplementação de ômega 3 na gestação, mas a verdade é que enquanto uma dieta equilibrada associada a hábitos saudáveis têm fortes evidências de benefícios para mãe e para o bebê, a suplementação vitamínica isolada não tem respaldo científico.
Ômega 3 é importante para o desenvolvimento do bebê
Verdade.
Estudos experimentais mostram a importância do ômega 3 para o desenvolvimento neuronal, ocular e do sistema imune. Porém, os resultados de trabalhos metodologicamente adequados demonstram que apenas a ingestão através de fontes alimentares de ômega 3 na gestação são benéficas. Deve-se ter uma dieta rica em peixes, grãos, associada a exercícios físicos e boa qualidade de vida.
Toda gestante deve suplementar ômega 3
Mentira.
Como mencionado, não há evidências científicas de qualidade que suportem a suplementação universal de ômega 3 na gestação. Por outro lado, sabe-se que a maioria dos brasileiros não ingerem peixes e grãos. Nas pacientes com restrições alimentares, mesmo com o adequado esclarecimento da importância da mudança de hábitos, pode haver vantagem teórica do seu uso. Isso se baseia na necessidade do DHA para adequado desenvolvimento neurológico do bebê, embora os resultados dos trabalhos não tenham demonstrado benefícios.
Todos os estudos evidenciam que ter um estilo de vida saudável é a melhor forma de reduzir o risco de parto prematuro e melhorar o desenvolvimento da criança. Para isso, recomenda-se:
- Redução do estresse;
- Realizar exercícios físicos conforme orientação médica;
- Suplementar micronutrientes, como ferro e ácido fólico;
- Consumir legumes, verduras, frutas, carboidratos e proteínas;
- Optar por peixes como proteína pelo menos 3 vezes na semana.
O consumo de peixe pode ser suficiente para obter ômega 3
Verdade.
O consumo de peixes ricos em ômega 3 pode fornecer a quantidade necessária de ácidos graxos para a maioria das gestantes, colaborando para a redução de risco de prematuridade. Por outro lado, não existem evidências que a suplementação do ômega 3 sem ingesta via dieta seja suficiente para reduzir riscos.
Ômega 3 reduz o risco de pré-eclâmpsia, depressão puerperal e diabetes gestacional
Mentira
A suplementação de ômega 3 não tem comprovação científica de benefício para nenhum desfecho para mãe e bebê, mas a dieta associada ao estilo de vida saudável, sim. Isso não quer dizer que exista uma contraindicação para seu uso, pois também não temos nenhuma evidência de malefício. Além disso, a dieta da mulher brasileira é extremamente pobre em peixes e grãos.
A gestação é um período com enormes alterações que geram a necessidade de aumento no aporte de proteínas, carboidratos, minerais e gorduras. A suplementação de qualquer vitamina deve ser realizada com responsabilidade, avaliando os hábitos dietéticos de cada mulher, sem ignorar os limites já conhecidos recomendados. Vivenciamos hoje uma onda de prescrições exageradas e, muitas vezes, irresponsáveis, sem embasamento científico, ou conhecimento dos possíveis efeitos colaterais.
O uso do suplemento de ômega 3 na gravidez tem um forte apelo de marketing nas mídias sociais e da indústria farmacêutica. O estudo constante e a divulgação para a população das evidências científicas com análise criteriosa deve ser uma responsabilidade do Obstetra.
A equipe do Prof. Alan Hatanaka está aguardando seu contato para iniciar a jornada de uma gravidez saudável e segura.
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